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terça-feira, 3 de maio de 2011

E AGORA?

SEPULTAMENTO

Muitas vezes, nos programamos psicologicamente para o que possa nos acontecer, para os eventos que não podemos saber o tempo, tais como: assalto, brigas, crises, doenças, etc. Mas como reagir diante do inesperado? O que aconteceu com as crianças dessa história, ninguém poderia prever... Uma mãe jovem, que sempre cuidava dos filhos, mesmo quando o pai resolvia gastar o dinheiro do sustento em noites bebendo à exaustão. Como esperar que ela perderia sua vida tão repentinamente?

No sepultamento, os que estavam presentes viam que as crianças estavam quietas, parecendo não entender a gravidade da situação... Elas percebiam que seu ente querido não mais estaria a seu lado, mas a compreensão sobre a morte só viria depois de alguns anos, quando a presença de sua mãe se fizesse indispensável....O caçula, só chorava inconsolavelmente. Um choro grosso e rouco, que não expressava nada além de um sentimento de falta inconsciente e, talvez, fome.

Alguns podem pensar que o pai não sentiu a falta da mulher...Apesar de tê-la espancado tantas vezes, foi a única que um dia amou... de uma maneira estranha. No Brasil da atualidade, as mulheres estão mais informadas sobre seus direitos como seres humanos e esposas, mas, na roça desta história nem posto policial tinha. Podiam até ocorrer mortes e ninguém ficar sabendo. Ainda não existia a lei Maria da Penha. Ele ficou sem chão...chegou a dizer diante do corpo de sua morta:

_Você não me esperou hein?

É verdade. Ele não chegou a tempo de dizer suas últimas palavras, talvez expressar o amor que não externava no dia a dia, talvez um amor que ela só conhecera quando deixou a cidade de Lagamar, em Minas Gerais para construir a vida ao lado de um homem com quem imaginava um conto de fadas.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

CAI UMA ROSA

“Pra morrer, basta que esteja vivo”.... Isso é um fato....
Nunca sabemos a hora que partiremos pra conhecer os mistérios do além-túmulo, que tanto nos intrigam. Nesta história, o inesperado aconteceu, deixando três sombras desamparadas, mas não totalmente, porque Deus vela pelos seus filhos. Certa tarde, a mãe veste uma saia rodada, prende o cabelo em um coque e diz pra filha mais velha:
_Cuida dos seus irmãos porque eu estou passando mal... Quando seu pai chegar, avisa pra ele que eu fui ao hospital do Gama.
A menina, que contava sete anos, fez exatamente o que lhe foi ordenado. Mas ela  não imaginava que não veria sua mãe nem naquele dia, nem em alguns dias seguintes.

                Quando o pai chegou do trabalho que estava fazendo em uma chácara vizinha, a filha, deu o recado inesperado. A distância entre a moradia rural da família e o hospital, caminhando à pé, levava algumas horas à pé em meio a ladeiras e o sol escaldante e mais uma boa distância de ônibus. Foi o percurso sofrido, que a mãe percorreu sozinha até o socorro. As crianças que ficaram em casa, aguardavam ansiosas a volta dela. A filha do meio, com quatro anos, o caçula com um e a menina com sete...Jovens demais pra entender a dimensão da enfermidade que a mãe padecia. A situação do mal de chagas piorou, e o coquetel composto de sofrimento, cigarro e doença resultaram numa explosão maior que o corpo frágil da mãe poderia suportar. O pai sabia que precisava de socorro. Assim que soube da má notícia, procurou formas de notificar os familiares. Como ele não tinha telefone, procurou a vizinhança e foi ao hospital saber o quadro de sua esposa. Os parentes que moravam em Brasília se prontificaram a ajudar e seguiram para o hospital.

MORTE PREMATURA

Depois de aproximadamente uma semana, a menina mais velha, juntamente com uma de suas tias, seguiu para o hospital do Gama onde viu sua mãe.Nunca lhe pareceu que ela era tão alta, magra e frágil. Ela vinha com o soro no braço, andando amparada por uma enfermeira e disse:

_ Eu vou pra casa logo...

Mal sabia ela, no auge de seus vinte e oito anos e meio, que sua vida estava por um fio. Vida curta e sofrida. Ninguém esperava esse fim. Ela morreu, e lá estava a menina novamente, vendo seu corpo na gaveta gelada do hospital.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Enfermidade

A doença, quando vem, não escolhe idade, cor, classe social, etc… Mas a condição financeira ajuda demais. Se nascido numa família abastada, ou se tiver conquistado ao longo da história a estabilidade, pode-se lançar mão de bons hospitais, consultas rotineiras check ups gerais, etc., sem ter que enfrentar filas e listas de espera. Os que estão a par desta história sabem que os protagonistas não podiam arcar com privilégios e regalias, nem consultas rotineiras e check ups gerais. Além do dinheiro em si, a distância era outra barreira a ser vencida. Se acontecesse algo que precisasse de assistência imediata, o risco de não haver socorro a tempo era implícito.

Chagas é mesmo uma praga. Descoberta a muito tempo pelo médico brasileiro Carlos Chagas, no começo do século XX, ainda hoje, em pleno século XXI, permanece edêmica em alguns países, como o Brasil e partes do México. A doença prejudica  principalmente o coração, esôfago, cólon e pode progredir por até 20 anos…Dependendo dos hábitos que a pessoa escolhe seguir.

Como já foi dito nos capítulos passados, a bebida era parte desta família. Para o pai era um prazer…A mãe também gostava, mas, para os filhos, um pesadelo sombrio. Certo dia o pai não estava se sentindo bem. Precisaram contatar um vizinho que possuía carro para levá-lo ao hospital. Sentia fortes dores no peito e perda de força nos braços, bem como dificuldade de caminhar e dor de cabeça. Derrame. O médico deu a sentença, tal qual juiz :_ Ou você para de beber, ou terá pouco tempo de vida. Pena dura pra ele.
O pai ficou um tempo falando enrolado, e perdia a paciência fácil. Demorou pra que entendessem o que ele queria dizer. Os pequenos ficavam rindo quando ele tentava se comunicar…Não entendiam que quase perderam o pai pra sempre. Crianças.

Ele se recuperou, voltou a trabalhar no campo. Foi um alívio pra ele poder falar e se movimentar “quase”  normalmente. Era um homem de físico forte, e  isso o ajudou nesta batalha pela vida.

Tormenta

CACHAÇA

O pai bebia,muito, como vocês já sabem. Era um homem de forte personalidade ao mesmo tempo que amigavel…Com os chegados… Essa era a tristeza da mãe. Ela sofria em saber que o marido estava bebendo no bar em frente à chácara onde moravam, cercado de mulheres. A “profissão” mais antiga do mundo existe em todo lugar. As mulheres sorridentes, com maquiagem carregada e roupas justas esperavam os homens quase tombarem para prestar seus “serviços”.  Assim os “homens do campo” dariam o dinheiro suado sem muita dificuldade.
Tudo acontecia ali, o bacanal do interior. O pai envolvido. Aos que pensam que a mãe ficava passiva, esperando o pai chegar, sinto decepcioná-los. Ela ficava à espreita, com seus olhos apurados, como felino caçador, até o ponto em que as mulheres de “sorriso fácil” começavam a investir em seu esposo.
“O sangue não nega
divina criatura
um toque
neja
pássaro sem ninho
só sorri pra bahia
destino coração
felino”
Luís Melodia (Felino, 1983)
 
ANGÚSTIA
 
Para cada ação existe uma reação, já dizia Newton. A atitude da matriarca para preservar o marido lhe traziam  marcas difícies demais para apagar. O pai a espancava na frente dos três filhos que, caso tentassem interferir tinham o mesmo destino.
A violência doméstica é uma realidade sombria.  Alguns chamam de animalesco, mas, poupemos os animais de tal insanidade. Está mais para bizarro, injusto, subhumano. A pobre esposa recebia as bofetadas, tinha suas roupas rasgadas e psicologico destroçado. Outro detalhe pitoresco é o fato de o pai não gostar de ter sua mulher bonita, enfeitada, com unhas pintadas, cabelo sedoso…Tinha ciúme…Quando ela visitava sua cunhada  na cidade, uma das poucas pessoas com quem tinha afinidade, esta a arrumava como princesa. Depilação, cabelo, unhas, roupas. A vaidade  era sua ruína quando se via novamente na realidade de agressões. O pai, enciumado pensava que ela faria o mesmo que ele… Procuraria outros braços . Talvez, se quizesse,  ela encontrasse um homem que a valorizasse.  O marido não conseguia compreender que existem várias formas de se perder o amor, que vão além da substituição.

Mais sombras

MENININHA

Ela nasceu pequenina, magrinha. MENININHA. Seu nome não importa. Vamos chamá-la de menininha apenas…guriazinha. Com sua chegada, dobraram as dificuldades, as bocas pra alimentar. Levar ao hospital. Conseguir roupa. Não por muito tempo…

MENINO:

Ele chegou…A assistência dos familiares para com a mãe foi maior. Ele nasceu mais pesadinho. Mais uma boca pra alimentar. Levar ao hospital. Conseguir roupa. Não por muito tempo…

PROFESSORINHA:

Quando a menina chegou aos sete anos, e seus irmãos eram jovens demais para estudar, sua inteligência admirava a todos. Era um misto de capacidade e pressão paterna. A tabuada era tomada diariamente, antes mesmo do ingresso na escola, e, se  houvessem erros, o cinto não hesitaria em marcar-lhe a pele.
Havia uma professorinha com nome de flor. E como flor ela era. Formada em pedagogia, num local onde só haviam profissionais rurais, construiu a escola na sua própria casa…Um colégio municipal. Por ser a única professora e os alunos muitos, em um único espaço ela dava aulas para três séries ao mesmo tempo. Num amplo galpão em sua residência, haviam três quadros-negros. Enquanto um grupo estava fazendo a lição da matéria dada, ela lecionava para o outro. O ensino era conforme os padrões exigidos pela prefeitura, e não deixava a desejar a nenhuma escola pública.
A educadora não era só. Tinha o marido e um casal de filhos exemplares. A filha faleceu ainda cedo,  era muito doentinha. Ela ficou desolada,  Todos pensaram que a “tia com nome de flor” ia desistir . Acontece que ela não deixaria no vácuo seus alunos ansiosos por aprender. Acho que ela pensava que a filha, onde estivesse, não gostaria de ver a mãe desanimar…Dizem que leciona até hoje

Destino

DESTINO

O destino é algo interessante. Muitos se revoltam contra Deus, porque não conseguem visualizar os mistérios nos quais estão entretecidos…entrelaçados.  A morte é algo que traz dor, revolta, depressão. É como um vazio irreparável, um buraco negro onde um dia foi a vida. Interessante….É a única certeza que temos – todos morreremos. Enfim…Não vamos falar de morte antes do tempo.
Vocês conheceram três sombras…Três pessoas destinadas à mesma coisa. Destinadas às histórias da parte pobre do interior..uma herança maldita. Acontece que nenhuma delas cumpriu o protocolo. A mãe, cuja vida poderia ser gasta nas carvoarias de Minas Gerais, escandalizou a família fugindo com a pessoa amada, ou ao menos alguém que como ela, não aceitou a imposição da vida. O pai, desde jovem, mostrou que não era conivente com sua realidade.A menina…ah…logo verão seu rumo.

ROÇA

Moravam na roça, eram caseiros de uma família abastada, que tinha casa na Capital Federal. A chácara era um espaço grande, com plantações de todos os tipos. As mangueiras quando frutificavam pareciam que cairiam de tanta abundância. Era Manga Rosa, Espada, Coração de Boi, “Peito de Moça”, Manga Dura, Coquinha/Ubá, Palmer, etc. Tinha pé de umbu, banana, jabuticaba, cajamanga, goiaba, jaca dura, jaca mole, milho, plantação de abacaxis, cajus de todos os tipos, amora, carambola e muitos outros.
Os que sabem apreciar as belezas naturais saberão que a roça é menos vazia do que parece. A natureza é a vida em sua essência. Naquela cidade não era diferente. Ao nascer do sol, o pai acordava pra tirar o leite da vaca. Leite forte, levemente rosado e quente a princípio, com cheiro de pasto. Separava o leite de dar pra menina, então com quatro anos, e para a mãe que já esperava uma “menininha”. À outra parte de leite virava coalho para ser transformada em queijo.
Além da ordenha das vacas, era necessário dar alimento às galinhas, patos, porcos, duas cadelas e galinhas d’angola. Os outros animais do local eram indesejáveis : cobras corais, cascavéis, ratos, aranhas. Só pra entenderem o perigo, muitas vezes, no quintal de casa apareciam cascavéis serpenteando. O pai, por mais de uma vez se deparou frente a frente com as venenosas, mas sempre foi socorrido por Deus…Não era a hora dele..ainda.
Pra se viver bem há um conjunto de necessidades. Não basta ter toda a comida (caso dessa família) se não há como cuidar da saúde. O local onde moravam era muito longe da cidade, da assistência do governo. Quando tinham que vacinar a menina, caminhavam com ela vários quilômetros. Quando tinham que checar a doença (chagas) que herdaram, também. Chegavam ao hospital ou posto, empoeirados e suados. Suas roupas não eram tão gastas porque recebiam sempre doações do dono da chácara e de parentes que por vezes os visitavam. Deus manda no destino. A menina não herdou a doença de seus pais, apesar de compartilhar do sangue deles. Nem os dois irmãos que vieram depois.

A menina

A MENINA

Foi em 1987. Ela nasceu. Nasceu negra e pobre, na roça do interior do Centro Oeste do nosso Brasil. Pouco tinha…O pouco que lhe tinham doado. Roupas de crianças, usadas. Carrinho doado, berço doado, fraldas doadas. Pouco. A vida dada por Deus. Muito.
As vezes as pessoas reclamam de seu destino, mas de uma coisa todos podem ter certeza. Tudo pode melhorar….Ou piorar. Sempre tem alguém que está com a vida mais sofrida ou abastada do que a nossa. E assim aconteceu com ela. Ela que será chamada de “menina”, “garota”, “guria”. Menina porque seu nome não importa por enquanto. Engraçado. Seu nome tem tudo a ver com sua história. Posso adiantar que ela tem nome de astro. Não astro de cinema, mas astro lá do céu.

A MÃE:

A mãe… alta, magra, sofrida, amarela. Trabalhadora das carvoarias e moradora de casas de pau-a-pique de Lagamar, Minas Gerais. Tez dura, mãos calejadas. A mãe da mãe, uma das muitas Marias do Brasil, morreu logo. O pai…Também… Como pode haver uma família em todos morrem cedo? Essas famílias são daquelas em que as condições de vida são precárias, onde se tem que lutar constantemente contra as doenças da vida: Chagas, Coração, Pressão alta, baixa, diabetes, fome, miséria,indiferença, falta de perspectiva.
Triste que quando se vai a um lugar desses, tem-se a ilusão de que a vida dos cidadãos está predestinada apenas àquilo que fazem: Nascer, trabalhar desde cedo, crescer, casar, ter muitos filhos, morrer na miséria… Não se deparam com as dúvidas de vestibular: Médico? Advogado? Jornalista? Artista? Veterinário ou Designer? etc.
A mãe estava noiva de um camarada de sua cidade, pra ter o destino da maioria de seus conterrâneos (casar, ter muitos filhos, morrer na miséria…), acontece que ela quebrou o protocolo. Apaixonou-se por um homem aventureiro que levou-a de Minas Gerais para o Centro Oeste. O homem era O PAI.

O PAI:

Dentre os atributos do pai estavam: Toureiro, mágico, trabalhador rural, sujeito agradável pra se conversar, com muitos amigos, riso fácil…Negro como a noite, se vem ao caso. Aos quinze anos, fugiu de casa pra quebrar a tradição de seus conterrâneos (Casar, ter filhos…) . Natural de Patos de Minas, deixou sua mãe, outra Maria, em prantos ao sair de casa sem avisar, e seguir viagem rumo à independência com uma comitiva circence. A família pensou que estivesse morto. De sua aventura de dois anos, ficaram algumas definições: O pai não quis ser dependente de mais ninguém, tornou-se exímio em truques de mágica curiosos, como, por exemplo colocar um ovo dentro de uma garrafa de refrigerante sem quebrá-lo e nem modificar o recipiente e passou a não temer quase nada, exceto uma coisa que depois saberão.
O pai fugiu com a mãe, mas não se casaram oficialmente. Talvez ironia do destino, mas além da loucura, ambos compartilhavam uma doença…Parece castigo….Chagas . Do antigo noivo, ela não mais teve notícia…Pudera, agora tinham muitas outras preocupações. De tanto amor/loucura nasceu a menina…negra e pobre.